“Quando a maré baixa que se vê quem está nadando pelado” – Warren Buffet
- Priscilla Adaime
- 29 de abr. de 2020
- 6 min de leitura
A frase espirituosa de Warren Buffet, um dos mais bem sucedidos investidores das últimas décadas, descreve a situação das empresas que se acomodam com resultados positivos quando a economia e o mercado estão favoráveis, sem a preocupação de aprimorar suas operações, de tornar-se cada vez mais competitivos, de maximizar seu potencial de crescimento e lucratividade. As crises encontram essas empresas inchadas, com estruturas de custo rígidas demais para serem ajustadas rapidamente, muita ineficiência operacional e liquidez insuficiente para atravessar um período mais longo de queda nas receitas e na lucratividade.
Os escritórios de advocacia, tal como a medicina privada, com características societárias e modelo de negócios diferenciados, mas principalmente por, até recentemente, alcançarem alta rentabilidade sem necessidade de uma gestão profissional e especializada, costumam ter mais problemas nos períodos de crise, exatamente por estarem acostumados a “nadar pelados”. Como consultor, volta e meia vejo sócios gestores justificarem a falta de planejamento e de ajustes estruturais por “fazermos assim há tantos anos, décadas, e sempre deu certo, por que mudar agora?”
Esse argumento está superado há algum tempo pelas mudanças que vem ocorrendo na economia em geral e no setor jurídico em particular. As inovações tecnológicas e a globalização derrubaram fronteiras e, com elas, as barreiras à entrada de novos concorrentes em mercados antes dominados por algumas poucas bancas. Muitos escritórios ainda não conseguiram se ajustar a esse “novo normal”, apesar de assistirem à perda de receitas, de clientes e da lucratividade, cada vez mais difíceis de conseguir quando comparados à “era de ouro” da advocacia.
O alerta de Warren Buffet deve ser levado muito a sério por esses escritórios. ´É preciso rever o modelo de negócio, planejar o curto e o longo prazo, reforçar os controles e, lógico, implementar as estratégias e ações corretivas para eliminar as ineficiências que vem afetando o crescimento e os resultados. Essas decisões são fundamentais para mitigar os efeitos das flutuações de mercado, entrada de novos concorrentes, novos modelos de negócio e, particularmente, as crises. O pior cenário é os escritórios serem pegos despreparados e frágeis financeira e operacionalmente nessas situações.
A crise atual é mais uma oportunidade para os escritórios se reestruturarem, adotarem uma nova modelagem de gestão. Especificamente, recomenda-se dividir os ajustes em duas partes – os imediatos, com prioridade para a liquidez e a sobrevivência do negócio, e os estruturais, visando eliminar ou reduzir bastante deficiências operacionais e financeiras que dificultam o escritório atingir todo seu potencial de crescimento e lucratividade.
Numa crise repentina e aguda como a do Covid-19, as medidas emergenciais devem se basear na máxima “cash is king”, partindo de imediato para a (i) renegociação de contratos e preços, em especial de aluguel, com fornecedores e prestadores de serviço, visando uma redução imediata de pelo menos 30% desses desembolsos por um período de 90 a 180 dias; (ii) suspensão integral ou parcial de pró-labore e/ou distribuição de lucro para os sócios e de bonificações para os associados; (iii) antecipação de férias de parte dos funcionários e do corpo jurídico, principalmente se reduções no volume de trabalho criar ociosidade e para que todos estejam a postos quando as atividades voltarem ao normal; (iv) acompanhamento diário da disponibilidade de caixa, a projeção de fluxo de caixa diário para os próximos 30 dias, incluindo, lógico, previsão conservadora de receitas e despesas, evitando adiar muitos pagamentos para não sobrecarregar o caixa quando acabar a crise com desembolsos correntes e adiados; e (v) revisão do orçamento anual, especialmente nos escritório que vinculam toda ou parte da remuneração do corpo jurídico ao desempenho das equipes a metas de receitas e lucratividade, já que com a crise torna bem mais difícil atingi-las.
A outra parte da reação à crise, e utilizando-se dela como motivador e justificativa, incluem os ajustes estruturais. Estes envolvem capacidade instalada, produtividade, revisão das estratégias e ações comerciais, rígido controle de custos e metas de lucratividade tanto do escritório como das áreas de prática e até mesmo dos advogados individualmente.
Sem esse tipo de plano, os mais vulneráveis financeiramente talvez não sobrevivam, sendo na melhor das hipóteses salvos por uma fusão ou sendo adquiridos por algum concorrente. Portanto, fazer ajustes não é uma opção. A concorrência será duríssima no pós-crise, é provável que o período de recuperação seja longo, não havendo negócios suficiente para todos os players do mercado. Nesse cenário, a lucratividade terá de vir da redução de custos, de ganhos de produtividade, eliminando qualquer ociosidade através de um redimensionamento do staff jurídico, de ações comercial com foco maior na manutenção da clientela que na captação de novos clientes, aprimorando a precificação para montar propostas mais competitivas e próximas da expectativa dos clientes em termos de honorários e qualidade dos serviços.
Especificamente, é importante verificar se a experiência do home-office permite reduzir as instalações atuais. Para definir o espaço ocioso, divida o valor do aluguel pela metragem total e multiplique pelos metros não ocupados ou subutilizados. Esse é o valor da economia que pode ser obtida se for possível, por exemplo, adaptar uma parte do escritório para ser usada em sistema de rodízio entre aqueles que, pela natureza da função, não precisam ter uma estação de trabalho fixa e exclusiva, que passa a ser compartilhada. Há também os que podem migrar de forma permanente para o home office, liberando mais estações de trabalho/espaço. Esse exercício exige desprendimento e determinação, mas seu benefício supera em muito qualquer eventual desconforto, é tudo questão de adaptação. O “payback” desse tipo de projeto é muito rápido e o custo-benefício altamente favorável.
A produtividade das equipes e dos advogados individualmente deve ser medida – aliás, não somente na crise, mas constantemente – e ajustada com base em “bechmarks” da indústria (sugiro 120-130 horas cobráveis/mês por advogado, sendo que esse número é reduzido de acordo com a posição hierárquica do advogado/sócio pelo tempo dedicado à gestão e outras tarefas administrativas. Um índice bastante útil de produtividade, inclusive para comparação com a tabela de horas do escritório, é a divisão das receitas pelo número de horas cobráveis. O responsável pela equipe pode usá-lo para avaliar advogados com funções/trabalhos semelhantes, assim como compara-lo com a tabela de horas para verificar se as receitas estão compatíveis com o volume de horas cobráveis lançadas, e para verificar se a distribuição de trabalho e de casos está de acordo com a experiência e capacidade técnica dos advogados. Os escritórios podem usar a política de carga de trabalho x tamanho staff usada, por exemplo, pelos bancos de investimento, que exigem níveis elevados de produtividade e lucratividade, operando praticamente sem ociosidade. O mercado está favorável para esse tipo de decisão pela disponibilidade de advogados qualificados desde a recessão. Somente os produtivos e preparados tecnicamente vão prevalecer no pós-crise, pois os escritórios não terão condições de manter staff improdutivo, sejam estagiários, advogados ou sócios.
Uma medida importante entre os ajustes estruturais seria conceder autonomia e flexibilidade operacional às equipes/áreas de prática. No passado, era possível aplicar políticas e parâmetros iguais para todas as equipes porque havia mercado e negócios para todos os escritórios, a concorrência era menos intensa e mesmo aqueles menos eficientes eram lucrativos. Essa situação foi mudando gradativamente nos últimos 10 anos e mais rapidamente com a recessão de 2014-2017.
A pandemia agrava esse cenário e para serem competitivas em seus segmentos as equipes precisam ter autonomia e flexibilidade para tomarem as decisões que julguem mais adequadas às características de suas operações. Isso significa poder definir o mix de advogados e suas remunerações, definir sua tabela de horas, seu modelo e forma de precificação, sua forma de trabalhar, se no escritório ou em home office, mesmo que essas decisões difiram das adotadas por outras equipes. De fato, não cabe mais impor uma mesma tabela de hora ou remuneração a todo o escritório. É preciso considerar as particularidades de cada área de prática e dos mercados em que elas operam. Por exemplo, normalmente, as áreas consultivas têm margem mais elevadas que as contenciosas e a mesma tabela de horas pode atender uma, mas inviabilizar a outra. Sem essa autonomia e flexibilização, dificilmente as área que enfrentam maior concorrência conseguirão ser competitivas, podendo se tornar cronicamente deficitárias, enquanto as áreas consultivas, pelas mesmas razões, podem “deixar dinheiro na mesa”, por seguir um modelo de precificação rígido, com receitas e resultados abaixo do seu potencial.
Finalmente, o escritório deve reavaliar o desempenho pretérito, as perspectivas de resultado das equipes no período pós-crise e seu potencial de contribuição para os resultados, seu “fit” estratégico. Se a avaliação revelar problemas crônicos devido a mudanças no seus mercados de atuação, a estruturas de custos incompatíveis com as exigências dos seus segmentos, incapacidade de concorrer em igualdade ou em melhores condições que seus concorrentes, deficiência técnicas o staff – embora nesse caso seja sempre possível substituições – ou uma combinação de todos esses problemas, é preciso considerar uma mudança radical das estratégias operacionais e comerciais; uma redução substancial no tamanho da equipe, caso haja interesse de manter uma presença, mesmo que marginal, no segmento; ou o simples fechamento da área para estancar os prejuízos ou seu retorno financeiro insatisfatório.
Decisões importantes como essas são sempre incômodas, principalmente em escritórios de advocacia, normalmente mais focados na execução do trabalho jurídico, que na gestão do negócio. Muitos, inclusive, se esquecem que o escritório é uma empresa e que, como sócios, são também investidores e devem buscar o melhor retorno possível para seus investimentos. A crise oferece essa oportunidade de reavaliar o negócio e fazer as correções necessárias para obter o retorno desejado. Caso contrário, continuará nadando sem roupa de banho, enquanto o mercado não o expulsar do mar.

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