Home Office no Pós-Crise — Cuidado para o Rabo Não Balançar o Cachorro!
- Priscilla Adaime
- 22 de mai. de 2020
- 5 min de leitura

Em momentos de crise, sempre surge a discussão sobre seus impactos na sociedade, na economia e em cada setor de atividade, como será o “novo normal” no pós-crise. Aconteceu na crise internacional do “subprime” (2018), na grande recessão aqui no Brasil (2014-2017), e está acontecendo agora com a pandemia do Covid-19, a mais grave dos últimos 100 anos.
Por ser causada por um vírus desconhecido, e não por um evento econômico, a crise atual trouxe um efeito diferente das anteriores – uma rígida quarentena que se estende por um período bem mais longo do que previsto inicialmente. Com isso, setores que pela natureza do seu negócio têm essa opção e se utilizavam dela em situações especiais, adotaram rapidamente o “home office” para continuarem operando. No geral, tem funcionado relativamente bem, mesmo com alguma dificuldade inicial devido a equipamentos e conexões residenciais abaixo do padrão técnico existente nos escritórios e a falta de costume de trabalhar às voltas de crianças, familiares, empregados, e estímulos diversos como TV, barulho da rua, e outros, mais raros no local de trabalho.
Essa experiência de conseguir trabalhar à distância sem maiores prejuízos à condução dos casos e ao contato com clientes levou à discussão se o home office seria incorporado à rotina dos escritório, tornando-se permanente, pelo menos para parte do corpo jurídico, em sistema de rodízio, e gerando economias com futuras ampliações das instalações, novos equipamentos, mobiliário e despesas como material de escritório, limpeza, etc. Também poderia melhorar a qualidade de vida do pessoal ao eliminar o deslocamento diário e estressante de ida e volta ao trabalho, aumentar a convivência com a família, e permitir a flexibilização do horário de trabalho, entre outras vantagens.
O objetivo deste artigo é alertar os escritórios sobre o risco de considerar que o relativo sucesso dessa temporada – curta e compulsória – em home office terá o mesmo resultado se tornada permanente sem uma análise cuidadosa de outros fatores, que não estão em jogo no momento, mas ganham relevância no pós-crise, quando a vida e o ritmo dos negócios voltarem ao normal. É importante não se influenciar com modismos ou embarcar no “efeito rebanho”, adotando algo que se viu em outro escritório ou se leu em algum artigo/reportagem, ou ainda porque um ou outro cliente resolveu fazer/usar e deu certo, etc.
Decisões dessa importância precisam levar em conta as características do escritório, sua estrutura de custos, seus produtos, áreas de prática, localização, clientela, enfim, são muitos os fatores que levam uma experiência dar certo em um lugar e não dar no outro. É mais ou menos como ajustar sua tabela de horas à de outros escritórios, sem considerar sua estrutura de custos, clientela, produtos, etc. Não funciona muito bem porque podemos estar comparando laranja com banana, o fato de operarem no mesmo segmento não os escritórios serem iguais, cada um tem suas características e desconsiderar essas diferenças pode levar a resultados completamente diferentes e nem sempre favoráveis para um deles.
Especificamente, no caso do home office, uma das primeiras questões a serem analisadas é
a sua necessidade. De fato, se o escritório não está em fase de crescimento – e são poucos, se houver algum, com essa perspectiva no curto e médio prazo no pós-Covid 19 – ou ainda tem espaço físico ocioso, não precisa continuar com parte ou todo seu pessoal no home office, nem criar um sistema de rodízio entre os advogados, que iriam ao escritório apenas em alguns dias da semana. A pergunta é – se há espaço para todo mundo e áreas/estações de trabalho ociosas para futura ampliação, o que se faz com o espaço dos advogados que estiverem em home office? Ou seja, com exceção de despesas menores como material de escritório e copa, o home office não vai gerar qualquer economia para o escritório que adotá-lo no pós-pandemia.
Essa decisão faz sentido se o escritório estiver no limite da sua ocupação física e for inadiável contratar novos advogados. Nesse caso, sim, parte do corpo jurídico poderia permanecer trabalhando à distância, evitando que o escritório precise alugar espaço adicional e investir em reformas e equipamento adicional, pelo menos por algum tempo.
Nessa mesma questão, da estrutura física do escritório, é preciso analisar o investimento realizado, assim como se o imóvel é próprio ou alugado. Se for próprio, o escritório pode aluga-lo para outra empresa e tentar cobrar no aluguel o investimento com reformas, mas somente se o layout e acabamento forem adequados ao inquilino, o que não é muito comum, normalmente quem entra quer adequar o espaço ao seu gosto e necessidades. Se o imóvel for alugado, então esse investimento provavelmente é irrecuperável ou, pior, haverá um gasto extra para colocar o imóvel tal como era quando o escritório o recebeu.
Ou seja, somente em situações muito específicas, em que há uma perspectiva de crescimento no curto prazo – o que deve ter sido reavaliado com a crise do Covid-19 – e não haja qualquer espaço ocioso no escritório para abrigar os novos advogados, faria sentido econômico e operacional manter o home office para uma parte do corpo jurídico. Seguir modismos ou reproduzir decisões de outros escritórios por entender que se funciona no outro também vai funcionar no seu escritório, pode ser um grande erro estratégico, com consequências bastante negativas para o futuro do negócio.
Outro ponto a ser considerado é a produtividade. Pesquisas informais com sócios de vários escritórios indicam que houve uma queda no número de horas trabalháveis a partir do início do home office. Porém, ainda não é possível afirmar o quanto desta queda é motivada pelo menor volume de negócios e quanto é devido ao trabalho à distância, visto que não há supervisão direta sobre os advogados em home office. Mas, independente do peso de cada um desses fatores sobre a produção dos escritórios, há um consenso sobre a queda de produtividade ao se passar do trabalho no escritório para o home office, em especial nos advogados mais jovens – os milênios – e naqueles que operam melhor sob o olhar dos sócios mais experientes, inclusive do coordenador/chefe da equipe.
Além disso, partir para o home office como parte permanente da forma de trabalho, vai exigir algum investimento adicional em equipamentos e linhas de conexão pessoais dos advogados, que nem sempre estão no padrão técnico exigido pelo escritório, uma vez que não é adequado trabalhar no sistema home office, utilizando-se de tablets e celulares, embora seja possível acessar o sistema dos escritores com esses aparelhos.
Ou seja, o home office antes da crise era algo eventual e temporário, motivado por alguma circunstância pessoal (licença maternidade ou se saúde, necessidade de trabalhar além do expediente normal do escritório ou nos fins de semana, etc.). Foi, desde que apareceu como forma viável, mas apenas uma opção eventual ao trabalho presencial no escritório. Mudar todo o modelo de negócio, a forma de trabalho a que os advogados estão acostumados pelas características de sua profissão, pode levar “o rabo a balançar o cachorro”.
Portanto, se o escritório está pensando em adotar o home office, mesmo que apenas parcialmente, devido às situações discutidas acima, deve ter as respostas a questões como (i) há necessidade de adotar o home office mesmo que parcial/sistema de rodízio? (ii) o que o escritório vai ganhar com isso? (iii) qual o custo-benefício dessa decisão? (iv) o escritório vai conseguir a mesma produtividade de todos advogados que passarem a trabalhar, mesmo que por um curto período – um dia por semana, por exemplo – em home office? Sem respostas para essas questões, migrar para o home office pode ser uma decisão arriscada, além do custo – desnecessário – associado a ela.
Como ensinava Milton Friedman, “projetos não devem ser avaliados por suas ideias e perspectivas, mas pelos seus resultados”.
Comments